Ranhuras - os caminhos das emoções



Acho que vou escrever sobre traumas como experiência universal.

Não que minha experiência seja universal, a de ninguém é. Mas carregar traumas definitivamente é.  E uma dúvida recorrente minha é se traumas podem ser autoinfligidos (tá certo assim? sei lha, inventei).

Eu penso sempre que um período de tempo longo da minha vida foi marcado por uma série de traumas, pequenos, arranhaduras, mas que quando somados parecem ter estragado irreversivelmente minha constituição. Ao mesmo tempo, sempre ressoa na minha mente uma coisa que me falaram: "Eu não obriguei você a nada." Como se eu ter estado ali sofrendo escoriações tivesse sido por escolha minha. E foi mesmo, daí eu penso em como isso pode ser considerado autoinfligido. Eu causei aqueles meus traumas por não ter tido a presença de espírito ou força ou sei lá o que mais para decidir que não queria estar ali e ter saído fora. A culpa é toda minha. E todo o sofrimento que eu causo ao meu redor pelas minhas respostas emocionais a esses machucados também são minha responsabilidade.

Ok. Eu tinha superado essa mentira. Tinha mesmo. Óbvio que se alguém é escroto comigo, a culpa não vai ser minha. Mas é maluco como as coisas se repetem.

Eu fico pensando nas diferentes conjunturas que eu já vivi. Hoje é muito diferente daquela época. Primeiro que hoje eu tenho alguma maturidade, apesar de achar insuficiente. Mas eu respondo de maneiras muito semelhantes a algumas lesões não tão iguais. E minha resposta imediata é culpar os outros. Mas logo depois eu modulo esse sentimento para mim.... e como deve ser minha culpa mesmo. Eu que não amadureci. Eu que não escolhi me comportar diferente. Eu que escolho ficar ali levando porrada. rs. Sério.

Completamente diferente e ainda igual. Pessoas diferentes, mesma autodepreciação. 

E trauma é justamente revisitar essas antigas feridas profundas na menor semelhança. A minha semelhança é a minha reação. E a minha tendência para hiperinterpretar (neologismo mesmo foda-se) o comportamento dos outros. Óbvio que foi de propósito pra me fazer me sentir uma merda. Ai a paranóia se instala. Todos contra mim. Tudo contra mim. Tudo mentira, bicho. Nada disso é real. Que exaustiva a mente estraçalhada. 

Do nada ontem eu pensei: eu nem sou tão importante assim. Essas coisas não são sobre mim. O que eu vejo é sobre mim, mas não necessariamente é o que se passa no outro.

Sempre que eu começo a soltar os pensamentos intrusivos: "quero morrer" "quero me matar" "vocês me odeiam", disfarçadas de piadas, me assusto muito depois. Eu vejo como não é o outro. Sou eu. Mas eu sou assim por quê? 

Eu não inventei isso. Eu não tirei isso do nada. Eu me sinto um lixo mesmo fazendo o meu melhor porque em algum momento crucial alguém me fez me sentir assim. Porque em algum primórdio não havia nada, uma superfície lisa em que algo ou alguém riscou permanentemente e essas ranhuras determinam os caminhas de todas as minhas emoções. E elas sempre tomam os mesmos caminhas.

É aqui que a psicanalista falaria "você pode criar novos caminhos, e vamos fazer isso juntas. Hoje a gente fica por aqui".


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