la crise #2 - apanhadora no campo de centeio

Sempre que alguém me pergunta, eu não sei responder. Então eu vou escrever pra tentar entender pra tentar responder.
O que acontece é que um belo dia, estava cuidando dos meus bichinhos, na minha, de boa. E aí, me questionei: qual o sentido de tudo isso? Calma...De maneira bem prática: estava no IBAMA, cuidando dos bichos machucados ou apreendidos de tráfico, etc... e me perguntei se aquilo realmente valeria a pena de se fazer. Não que não tenha o seu valor, mas de maneira mais ampla, é tapar o sol com...peneira? Acho que peneira filtra muita coisa ainda. [...] E aí, pensei em fazer pesquisa. Por um milagre me vi num PIBIC num centro de pesquisa e conservação [deixemos o nome desse lugar de lado]... ah...finalmente eu vou FAZER alguma coisa. E aí eu vi alguma coisa sim... eu vi os egos sendo inflados e os bichos sendo usados. Eu não vi conservação nenhuma. Sabe, é uma merda criar expectativas num mundo onde ninguém mais tem. Onde "o lema é não exigir muito e alcançar uma tolerância absoluta", onde "não existem desafios, nem metas heróicas e grandes ideais, nem um esforço ou luta contra si próprio", como já dizia o professore de Humanismo e Ciências da Religião da PUCRS, Wilmar Luiz Barth, sobre o Homem Pós-moderno. E aí você descobre que tudo é falácia. Isso é destruidor pra uma alma.
Mas calma, uma luz veio no horizonte. A luz da humanização. Mas uma coisa que nunca me saiu da cabeça é que tem um humanismo que os humanistas que eu conheço metem o pau. Pelo menos até onde entendi. Então, humanismo é bom ou é ruim? E por que eu não posso qualificar as coisas de boas e más? O humanismo surgiu no renascimento do homem. Naquele renascimento em que Deus foi destronado como o centro de tudo, e o homem se colocou em seu lugar. Isso a gente vê até hoje, e a modernidade e toda a vida que a gente conhece veio daí. "Foi a libertação do homem das amarras do sacro e profano", é o que as vozes gritam até hoje. Há um artigo na revista Leituras da História, de novembro/dezembro de 2012, em que vi justamente isso. O autor do artigo, Ricardo Frantz, em sua reflexão me pareceu completamente apaixonado pelas repercussões do renascimento, até hoje. Mas eu também vejo gente dizendo que a modernidade desumanizou as pessoas, e portanto devem ser re-humanizadas. Pela lógica, inicialmente, fazia sentido. Mas aí, continuo vendo as pessoas se colocando no centro de todas as coisas. E eu fico cá pensando... será que Deus foi destronado AÍ? Eu vejo Deus fora de seu trono desde muito antes de Jesus nascer. E outra, toda a idade média foi governada por qualquer coisa, menos Deus. Como é que ele poderia ter sido RETIRADO de seu trono, se nem lá Ele tava, coitado. E eu poderia até entrar no papo da Graça, mas aí é outro assunto. Só que então, junto com esse "destronar" do século XVI [Deus há muito "rolling his eyes"], foi retronado na reforma protestante, onde o Deus da graça voltou a ser o centro por uns, mais ou menos, 5 segundos até todo mundo errar de novo e voltar a fazer merda besteira. Coélet, autor de Eclesiástes estava mais que certo. Não há nada de novo debaixo do sol. Nem fazer errado a gente faz diferente. Muito bem...nada disso faz sentido.

Mas beleza, as pessoas estão frias, desumanas, deprimidas, em pânico, solitárias, e precisam voltar-se aos saberes dos antigos! Vamos ler os clássicos e explorar todas as nossas sensações e emoções. Vamos fazer com que as pessoas olhem umas pras outras, vamos lembrá-las que dentro delas tem um coração, que bate, que ama, que sofre, que se alegra. Vamos fazê-las ver o mundo novamente como ele realmente é: drama. Não problemas e soluções. Não dados e cálculos. Pessoas. E aí vamos fazer pesquisa, provar aos caras do governo que realmente isso acontece. Só que, calma:
1- se você não explicar isso pra eles estatisticamente, com dados contundentes, que as humanidades são a solução de todos os nosso problemas, eles não aceitam;
2- voltar ao saber dos mesmos antigos que continuam destronando Deus. (???)

Desculpa. Eu sou burra. Se ninguém me mostra o caminho que seguir nisso daí sem continuar destronando Deus, eu vou ficar no limbo do mercado do trabalho, da academia, do Brasil, da USP.
Eu sei que há lugar para o conhecimento do homem e o conhecimento de Deus em algum lugar, mas eu não consigo encontrar, e a minha impaciência me faz ficar paralisada.

"Ah, clarinha...fácil. tenha paciência. duuhhh..."

Eu não consigo encontrar. Porque eu perdi as esperanças nos homens. Tudo é vendível, tudo é pago. Outra coisa que me irrita, apesar de ser tão antigo quanto a própria ideia, é que só tem educação superior quem tem dinheiro. E adivinha: você vai gastar dinheiro na sua educação com o singular propósito de produzir mais e mais dinheiro. Muitas vezes você nem quer, mas é pra isso que você serve. Ah, não venha me dizer, sr. livre docente, que desde seus 18 anos sua intenção era se tornar o filantropo que é hoje.


E aí me vejo na síndrome mais popular do século XXI, que eu acabo de dar nome [ou não, porque eu tenho quase certeza de que alguém já pensou nisso]: a síndrome de Holden Caughfield. Ah.. com certeza alguém já criou isso. Enfim, é depois de ter lido 'O Apanhador no Campo de Centeio' que eu identifiquei em seja lá o que isso for. Disseram que o negócio do Holden é que ele não quer amadurecer. Sério, eu li uns artigos que falam do que há por trás da histórias, e depois de obcecarem um pouco com o coitado do Salinger, eles falam daquele estado em que se encontram os jovens dos anos 40. Não precisa ser o cara mais inteligente do mundo pra ver as semelhanças do que se diz hoje. Tá que a pós-modernidade só começou  a botar pra quebrar em 72, segundo o David Harvey, falando sobre  a  "Condição da pós-modernidade", mas o que se fala é que hoje, somos todos adolescentes eternos. Aqueles que não querem ter responsabilidade. Mas diferente do que eu vi, e experimentei, e entendi do Holden, não é que ele fosse safado, mas que ele estava desacreditado da humanidade. Quando chega a parte em que ele explica que ele quer impedir as criancinhas de caírem no abismo, as explicações teórico-filosóficas são que ele  não quer que as crianças amadureçam, assim como ele não quer amadurecer. Do mesmo modo como ele não quer cair no abismo da vida adulta. E eu até entendo isso. Mas quando ele fala pra irmã dele sobre não se tornar um advogado por não saber se ele vai se tornar um advogado pra ajudar as pessoas ou se tornar um cretino que só quer dinheiro, eu vejo muito mais que apenas medo da maturidade e de encarar a vida real. Eu vejo um garoto que não quer se conformar com os meios e esquemas deste mundo (Rm 12: 2).
Pra mim, o Holden tem receios que, talvez, muitos cristão lidos não têm. A compreensão que ele tem de Jesus é um tanto humana. Mas ele achava Jesus um cara legal... não estou conseguindo achar, mas lembro de um trecho em que ele xinga os apóstolos, porque só faziam besteira antes do pentecostes. Mais ou menos isso. Outro trecho, em que ele está vendo uma apresentação de natal, cheia de gente fantasiada de anjo, Holden é bem sincero: "Eu disse que o velho Jesus com certeza ia vomitar se visse aquilo, aquelas fantasias e tudo". Ele sabia que tudo naquela apresentação era hipocrisia, e diz ter certeza que dali todos eles saíram loucos para fumar um cigarro ou algo parecido (p.135).
Outra preocupação dele era com o orgulho e a soberba. Não digo que ele é super humilde, mas acho que ele só não entendia como tudo se ligava. Eram pontas soltas de muitas coisas acerca do viver que ele não tinha nem idade suficiente pra saber que se ligavam. Isso, eu acho. Mas ele diz: "Se a gente faz uma coisa bem demais, aí, depois de algum tempo, se não tiver muito cuidado, começa a exibir. E aí a gente deixa de ser bom de verdade."
E ele chegou onde eu queria. É medo. Porque a gente vê isso acontecendo em todo canto. É deprimente. E é bem aí que eu tô. Eu não quero me tornar a advogada cretina. E eu acho que já me tornei. A veterinária cretina. A pessoa cretina. A cristã cretina. Mas você tem que ser alguém que tem potencial de se tornar cretino, porque se não você passa fome. E aí eu não quero virar mendiga. E aí eu sou cega pra saída. É querer ser mais que a apanhadora no campo de centeio, é querer ser a criancinha no campo de centeio.
É a sensação que ele tem, o "medo de que tudo vai dar errado, a menos que você faça alguma coisa."
Mas isso nem faz parte da porcaria do mal-estar da geração. A geração não quer ter metas heróicas, ou fazer alguma coisa pra evitar que algo dê errado. A geração, as gerações, estão preocupadas com a estética. Tudo é estética. Tudo é o ter, o querer.
Uma vez escrevi um texto sobre sedução. Está aqui no blog. E aí, tempos mais tarde eu leio esse livro e conheço o Holden e aí ele me fala: "A maioria das pessoas são todas malucas por carros. Ficam preocupadas com um arranhãozinho neles, e estão sempre falando de quantos quilômetros fazem com um litro de gasolina e, mal acabam de comprar um carro novo, já estão pensando em trocar por outro mais novo ainda. Eu não gosto nem de carros velhos. Quer dizer, nem me interesso por eles. Eu preferia ter uma droga dum cavalo. Pelo menos o cavalo é humano, poxa." Ai pronto, além de tê-lo parafraseado sem querer em meu outro texto, eu tenho um nome pro que eu sou/tenho/estou: Holden Caughfield.
Mas aí eu também sou Bilbo.
Vish...tô até com medo de cruzar isso.
Enfim, não tenho interesse no sucesso. Não quero ser famosa nem ter carros pra trocar. Mas ao mesmo tempo eu sou obrigada a viver numa cidade em que andar de ônibus a noite é basicamente ir se cagando de medo de onde você estiver até a sua casa. Ou eu posso simplesmente abdicar de fazer as coisas longe de casa. E a gente poderia entrar em toda a discussão de mobilidade, bicicletas, segurança pública, [um ciclista atropelado na paulista nesse fim de semana por um cara bêbado que jogou o braço decepado do coitado no canal/rio/seilá...].
Então não, cara. Humanismo e humanização não é a solução. Mas eles não querem solução pra nada mesmo. Nem pro meu pequeno problema de falta de encaixamento na sociedade.
E isso já repercute nos meus relacionamentos. Ai...nem vou entrar nisso. Eu não sei se tenho um fedor em mim que faz as pessoas chegarem perto de mim por uns segundos e sorrir indo embora. Eu me culpo, só pra garantir não julgar os outros. Hoje, né. Depois de muita porrada, eu me culpo. Responsabilizo...enfim.
E aí, Deus me incomoda diariamente, só Ele sabe pra quê.
E eu não consigo mais ser veterinária: 1- porque não lembro mais como; 2- eu não aguento mais. E se eu insisto, só tem vaga na catho pra clínica de pequenos animais. Hoje eu encontrei um site de uma clínica de silvestres aqui em sampa, mas depois que eu vi os videos de "entrevistas" com o veterinário dono de lá, eu tive medo e vergonha e fechei a aba o mais rápido que pude. Mas então, o que fazer? Eu queria fazer isso aqui. Escrever. Mas eu preciso de uma graduação ou um curso pra provar que eu consigo fazer isso. Pra me capacitar numa coisa que eu já sei fazer. E então é super caro a droga do curso ou não abre agora inscrição/vestibular/etc..., e aí eu não tenho dinheiro e tenho que trabalhar pra poder conseguir esse dinheiro, mas eu só tenho a droga do curso de veterinária. VSF.

Preciso fazer terapia. Mas eu não tenho dinheiro pra isso. Adeus.

"Dinheiro é uma droga. Acaba sempre fazendo a gente se sentir triste pra burro." [Holden Caughfiel, O apanhador no campo de centeio, p. 113].



Barth, W. L. O homem pós-moderno, religião e ética. Teocomunicação. Porto Alegre, v. 37, n. 155, p. 89-108, 2007.
Frantz, R. Renascimento? Para que serve? Revista Leituras da História, n.57, 2012.
Salinger, J.D., O Apanhador no Campo de Centeio, 18ª ed., Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2012.


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